Abaixo o texto enviado na integra
Sarney não merece a cassação
Mandato eletivo é coisa séria. Nada menos que o principal sustentáculo do modelo democrático brasileiro. Para que seja cassado, são necessários motivos muito fortes e consistentes. No caso do Senado, a eventual decisão de cassar o mandato de José Sarney (PMDB-AP) deve passar tanto pela avaliação da solidez das denúncias, quanto pela avaliação criteriosa do seu grau de gravidade. O ambiente de paixões políticas à flor da pele dificulta a formação de um juízo não pautado pela emoção. Contudo, numa análise fria, não é fácil justificar a cassação de Sarney.
A denúncia mais recorrente contra ele é a de nepotismo. Trata-se, sem dúvida, de uma chaga da política nacional, enraizada desde suas origens. O presidente do Senado negou relação com a maior parte das pessoas que teriam sido nomeadas sobre suas bênçãos. Outros, diz ele, foram nomeados por outros senadores, sem seu conhecimento. O velho e bom nepotismo cruzado, tão danoso quanto o “puro sangue”. De todo modo, não há jurisprudência que justifique a cassação de um mandato por nepotismo. Caso contrário, muito mais gente teria de ser cassada, dentro e fora do Congresso. Para não ir longe, no Interior do Ceará não ficaria pedra sobre pedra.
Outra das principais denúncias diz respeito à Fundação Sarney, que teria cometido irregularidades na aplicação de dinheiro público. Mas, oficialmente, o senador não é o responsável legal pela entidade, tampouco há indícios que o vinculem diretamente às irregularidades supostamente cometidas. Há, sim, indicativos de que fez lobby para conseguir recursos para a instituição. No que não há ilegalidade.
A terceira das principais denúncias diz respeito aos atos secretos. A mais grave de todas. Mas é necessário um filtro na acusação. Primeiro, dos 663 atos editados, no total, 88 correspondem ao período no qual Sarney foi presidente. Os demais ocorreram durante as gestões de Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA), Jader Barbalho (PMDB-PA), Edison Lobão (PMDB-MA, à época no PFL), Ramez Tebet (PMDB-MS), Renan Calheiros (PMDB-AL), Tião Viana (PT-AC) e Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN). O maior número na gestão de Renan - atual comandante da operação para salvar Sarney. Além disso, o presidente do Senado diz que, como os antecessores, não teria conhecimento da não publicação desses atos. Difícil acreditar. Mas a mera suspeita não é motivo suficientemente forte para sustentar a cassação.
Há várias outras denúncias, também sem a necessária consistência para justificar a cassação. Uma delas informa que o neto do senador teria sido beneficiado por um esquema de fraudes em empréstimos consignados para servidores. Mas José Adriano Sarney trabalhava para o HSBC, banco que operou para o Senado em 2005, quando o avô não estava na presidência da Casa. Quando o peemedebista assumiu o posto máximo do Senado, a parceria com o banco já não existia. Já o envio de policiais do Senado para fazer a proteção de sua casa, em São Luiz (MA), e o recebimento de auxílio-moradia são, ambos, fatos respaldados pela lei e são recorrentes entre os senadores, embora moralmente questionáveis.
A preço de hoje, portanto, não há motivo suficientemente forte para cassar Sarney. O que não justifica o arquivamento sumário dos processos. O prosseguimento das investigações pode apontar provas que fundamentem uma punição - eventualmente a própria perda de mandato. O que não é razoável é o clima de condenação sumária que hoje domina a opinião pública. Trata-se de uma forma de observar os fatos que atende a muitos interesses. Sobretudo de gente que também tem participação e que se beneficiou dos desmandos no Congresso. E para quem é conveniente a escolha de um único e grande culpado. Ainda que a realidade seja um pouco mais complexa.
O espanto das cabeças brancas
José Sarney (PMDB-AP) nunca foi flor que se cheire. Macaco velho da política, escolado em suas tramas, expert na arte de ser útil aos governantes de plantão. Do dia para a noite, porém, parece que todas as tramoias do último dos grandes expoentes do velho coronelismo vieram à tona. Não deixa de ser engraçado ver raposas felpudas da política com expressões assustadas diante das diabruras de Sarney. Difícil acreditar em tamanha surpresa. O Senado é uma casa de políticos experientes. Lá estão ex-governadores e ex-presidentes da República. Diferentemente da Câmara, não há espaço para garotos-prodígio, neófitos na vida pública - é exigida idade mínima de 35 anos para ser candidato. Não fica bem a esses senhores e essas senhoras querer passar por inocente. As práticas ilícitas no Congresso remontam a longa data, passaram por muitas mãos e beneficiaram muita gente que agora finge espanto contra tudo isso que está aí.
Fonte:Assessoria do Senador Inácio Arruda - Texto escrito por Érico Firmo em sua coluna no Jorna O Povo
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